quinta-feira, 15 de julho de 2010

O palhaço do circo sem futuro (II)

"Sou palhaço do circo sem futuro
Um sorriso pintado a noite inteira
O cinema do fogo
Numa tarde embalada de poeira"

O ônibus deixava Juan a duas esquinas do seu trabalho. Seu percurso sempre era feito guiado pela penumbra de seus olhos fechados. E era nessa penumbra também que Juan sobe as escadarias que o leva ao terceiro andar daquele edifício. A única coisa que ele percebia pelo seu caminho é a música que tocava em seu fone de ouvido, que dizia: "Os Homens aprenderam com Deus a criar e foi com os Homens que Deus aprendeu a amar".

Parado em frente à porta corta fogo que indicava o terceiro andar, Juan quase que vê um espelho a sua frente e começa a se ajeitar. A camisa amassada pelo trajeto no coletivo é alisada e esticada buscando um impecável que nunca alcançará. Refaz o nó na gravata e alcança a simetria perfeita que nem existe. Juan está pronto pro próximo embate.

Com as mãos em uma das alças da mochila, cabeça baixa e olhos semiabertos, Juan atravessa um mar de mesas até chegar a sua, que assim como o banco no ônibus, era a última. Apesar de dizer não se importar, ele retira o fone de seu ouvido direito, que pensa ele ser com qual ele escuta melhor e atravessa aquele corredor formado por mesas e pessoas. No caminho escuta algumas saudações: "Opa, Oi, E ae?!, Bom dia cara". Ele nem se preocupa em olhar para as pessoas, apenas movimenta a cabeça como um sinal de aprovação. Assim, pra ele, estava retribuindo aos cumprimentos de seus colegas.

Se para Juan a defesa era o melhor ataque, a batalha estava ganha a partir do momento em que ele alcançava sua mesa. E sentava ali, assim como no ônibus. Em um lugar onde poderia observar todo mundo, mas não poderia ser observado...

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O palhaço do circo sem futuro (I)

"Tudo começou quando o filho morria de vergonha por que o pai era palhaço de um circo sem futuro. E ele cresceu sem dizer pros amigos onde o pai trabalhava. Sempre muito envergonhado, cresceu com a vida muito amargurada. Se formou em outra coisa. Um certo dia, recebe a notícia que o pai está no leito de morte. Ele corre lá, entra no quarto, tira a gravata, tira o paletó, se ajoelha e diz:

_Pai, me ensina a ser palhaço?...Pai, me ensina a ser palhaço?
_Isso não se ensina, seu bosta."

Não era nada fácil para Juan acordar cedo todos os dias e ir para o trabalho. Talvez por isso ele brincava todos os dias com Crono embaixo das cobertas, arriscando sempre que o tempo passasse e se esquecesse dele. Ele quase nunca tomava café da manhã. Ao escolher desafiar o tempo, ele perdia a oportunidade de comer o bom e velho pão com salame acompanhado de um copo de suco artificial, todas as manhãs.

Chegava então a hora de pegar ônibus, e para Juan, chegava a hora de sua primeira batalha diária. Esperar o ônibus sozinho, no frio e em um lugar estranho nunca foi um problema pra ele. Mas a partir do momento em que o ônibus apontava a esquina, o coração de Juan, parecia disparar.

Assim que entrava no ônibus, pagava ao trocador o valor absurdo da passagem, que também não era um problema pra Juan. Passava a roleta, sempre de cabeça baixa. Pra seu desconforto, o ônibus começava a se movimentar antes que ele pudesse se acomodar. Juan então teria que se apoiar nos bancos. E levantar a cabeça...isso sim era um problema pra Juan.

Ele erguia os olhos vagarosamente, imaginando, antes que pudesse fitar, cada pessoa que ali estava, cada olhar de repulsa que receberia, cada olhar de pena, de curiosidade, de desprezo e de chacota. Armava-se então com sua espada inconsciente e encarava cada passageiro como abutres que queriam se alimentar de todo seu medo e sua desconfiança. E a cada olhar que dava, Juan parecia deferir golpes fatais, que desviava todo sentimento que o olhar de alguém poderia trazer, e ainda furava-lhe os olhos como troco.

Dessa maneira ele atravessava todo o ônibus. Só assim então, sentava no canto da ultima sequência de cadeiras, se blindando de todos os olhares que caía sobre qualquer um que entrasse no ônibus. Para Juan, uma ameaça. Dali era só puxar o barbantinho do sinal. Dali era só levantar e descer pela porta de trás. Agora, precisava apenas chegar ao trabalho, lugar onde uma nova batalha se iniciaria. Juan então fechava seus olhos e se punha a ouvir música. Mas os fechava com força, como se afiasse seus olhos, sua arma, para a nova peleja que virá...